"Viver o Hoje" de Clarice Lispector
Nunca a vida foi tão atual
como hoje: por um triz é o futuro. Tempo para mim significa a desagregação da
matéria. O apodrecimento do que é orgânico como se o tempo tivesse como um
verme dentro de um fruto e fosse roubando a este fruto toda a sua polpa. O tempo
não existe. O que chamamos de tempo é o movimento de evolução das coisas, mas o
tempo em si não existe. Ou existe imutável e nele nos transladamos. O tempo
passa depressa demais e a vida é tão curta. Então — para que eu não seja
engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar
depressa — eu cultivo um certo tédio. Degusto assim cada detestável minuto. E
cultivo também o vazio silêncio da eternidade da espécie. Quero viver muitos
minutos num só minuto. Quero me multiplicar para poder abranger até áreas
desérticas que dão a idéia de imobilidade eterna. Na eternidade não existe o
tempo. Noite e dia são contrários porque são o tempo e o tempo não se divide.
De agora em diante o tempo vai ser sempre atual. Hoje é hoje. Espanto-me ao
mesmo tempo desconfiado por tanto me ser dado. E amanhã eu vou ter de novo um
hoje. Há algo de dor e pungência em viver o hoje. O paroxismo da mais fina e
extrema nota de violino insistente. Mas há o hábito e o hábito anestesia.
Crônica é muitas vezes um texto curto, sendo livre, leve e feito em prosa relativa ao tempo. A crônica é um flash da realidade, um recorte de vida, livre das regras textuais, pois mistura em sua composição, uma narração argumentativa.
ResponderExcluirNesta crônica vemos uma alusão metalinguistica, e uma poetização do conceito de solidão que está oculto nas alusões tediosas sobre o tempo, e em como a autora flerta com a mesma dentro da crônica, pois narra e argumenta o valor introspectivo de cada minuto vivencia dentro e fora de si, caracterizando então, a conexão da juventude moderna e contemporânea com sua eterna busca do imediatismo de "viver muitos minutos num só minuto".
Emilly C. H. S. de Melo